Código Civil, 5 anos.

 Código Civil, 5 anos.


Texto publicado no Jornal Estado de Minas, Seção Opinião, p. 9-9, 15 jan. 2007.

Bruno Albergaria,
Doutorando por Coimbra
Mestre em Direito 
Professor Universitário
Ex-Diretor de Secretaria da Justiça Federal

O Estado moderno, idealizado por Hugo Grocius, foi concebido para combater as várias guerras religiosas que imperavam na Europa. Na Idade Média, o Poder Papal era mais forte que dos senhores feudais. Porém, o discurso da Igreja Católica não era coerente com os seus atos. A igreja pregava à simplicidade, o voto de pobreza, a solidariedade; mas vendia indulgências, aplicava sanções severas através da inquisição, e o clero, integrantes da igreja, vivia no luxo e riqueza. A Igreja Católica era contra a prática da usura, impedia os judeus de possuírem propriedades rurais, e combatia o lucro dos comerciantes.

 

Diante de tantas incoerências surgiram, dentro da própria Igreja Católica, correntes que não concordavam com essas práticas desassociadas das próprias palavras cristãs. Luthero na Alemanha e Calvino na França provocaram um cisma dentro da Igreja Católica. Apesar de não ser o objetivo inicial, formaram, cada um, uma nova Igreja. Cada rei ou senhor feudal impunha aos seus súditos ou vassalos a sua religião. Não se tinha liberdade religiosa. O terreno para a eclosão de uma guerra européia estava pronto. Os chefes religiosos influenciaram os reis para combaterem, via força, os outros reis de religiões diferentes.

Em pouco tempo todos os Reis Europeus estavam guerreando. Foi a Guerra dos Trinta Anos. Para poder acabar com a guerra, alguns filósofos, como Hugo Grocius e Hobbes, Jean Bodin, desenvolveram a idéia de Estados fortes, em que o predomínio do poder seria o Estado através do Rei e não da Igreja. Cada Estado deveria ser responsável pelo seu povo. E competiria ao Rei poderes absolutos para governar, e não mais a Igreja. A escolha religiosa de cada um torna-se, assim, assunto privado, não mais interessando ao Estado, que deve cuidar apenas dos interesses públicos. É a liberdade religiosa, ou a expressão tolerância religiosa cunhada Lucke em 1685, que permanece cada vez mais atual.

Com isso os Reis Europeus ganharam muita força política. Bodin e Hobbes, para proteger uma nova classe social que surgia na Europa, o comerciante burguês, afirmaram que ao Rei competiria todo o Poder Político, mas a vida privada das pessoas não poderia ser dirigida pelo Estado. Era a base filosófica do Liberalismo, ou seja, liberdade plena para o comerciante poder comprar, negociar, vender, e acumular mais riquezas. O Direito Civil, por assim dizer, não foi, portanto, matéria de interesse dos Governos, o que ficou a cargo dos costumes de cada localidade.

O Rei tornou-se extremamente forte politicamente e a burguesia muito rica. Contudo, como o rei não produzia nenhuma riqueza, mas gastava muito, com o passar do tempo, começou a cobrar muitos impostos.

A nova classe burguesa, cada vez mais rica, começou a ficar descontente com o Rei por causa da excessiva cobrança dos tributos. Detinham o poder econômico, mas não detinham o poder político. Novamente a situação estava propensa para uma nova guerra, só que agora interna, dentro do próprio Estado: Revolução. Como o primeiro Estado a realizar a queda da monarquia foi à França, denominou-se de Revolução Francesa o marco histórico da ascensão política da burguesia, com os ideais iluministas que defendiam essa nova classe: liberdade (principalmente de contratar), igualdade (o rei não era diferente do homem comum), democracia (o exercício do poder político seria exercido pelo próprio povo).

Mas o direito civil ainda era completamente fragmentado dentro do território francês. No sul da França cada cidade tinha o seu “código civil” e ao norte as relações eram regidas pelos costumes. A prática do comércio, objetivo maior do burguês rico, era dificultado pelo excesso de normas.

Napoleão Bonaparte, logo após a Revolução Francesa, tomou o poder. Percebendo que era uma aspiração da classe burguesa formulou a unificação do Direito Civil em todo o território da França. Desenvolveu, com o auxilio de juristas, um Código que teria aplicabilidade em todo território francês. Não se poderia mais alegar o costume, mas a lei. Portanto, a única fonte jurídica seria o próprio código, e não mais os costumes, e para poder mudá-lo somente através do Poder Legislativo. O Sul e o Norte da França se unificaram através do Direito Civil.

O Código Civil deveria regular a toda a vida privada de um burguês comum. Desde o seu nascimento até a sua morte. Assim, o C.C. francês começa com as normas jurídicas que determina o surgimento da vida do homem, nascer com vida; vai para a sua maioridade, adquirir a capacidade para os atos da vida civil, como comprar, negociar, quais os contratos; quais e como os bens são disponíveis para serem apropriados; o casamento, e termina com as conseqüências da morte, sucessão, testamentos.

A idéia de formular um Código regulando a vida privada foi aceita em todos os paises do continente europeu. Bélgica, Alemanha, Suíça, Espanha, Itália elaboraram um código civil dentro dos mesmos parâmetros do Código Civil Francês.

No Brasil não foi diferente.

No período colonial vigoravam no Brasil as Ordenações Filipinas, oriundas de Portugal. Com a independência, em 1822, estabeleceu-se que seria formulado um Código Civil brasileiro, o que só veio a acontecer em 1916, sob forte influencia do Código Francês e Alemão. As bases filosóficas eram as mesmas dos ideais iluministas burgueses: a liberdade de contratar, igualdade das partes e a proteção à propriedade.

A sociedade brasileira modificou muito neste século. O individualismo exarcebado não é mais aceito, a família modernizou-se, as relações sociais são outras. Diante desse ‘novo povo’ surgiu à necessidade de elaboração de uma nova legislação civil, o que ocorreu em 2002 com a elaboração pelo Congresso Nacional do novo Código Civil Brasileiro. Agora, em janeiro, faz cinco anos de sua promulgação.

Espera-se que essa nova legislação que regula a vida particular das pessoas esteja em conformidade com a sociedade contemporânea.

fonte: www.albergaria.com.br